A nobreza do linho

A nobreza do linho

No Portugal rural do século XIX, principalmente no Norte, a riqueza de uma casa era vista através do ouro e da limpeza que se possuísse. Mas não interpretem mal, a limpeza não tinha a ver com a higiene ou com o bom arranjo da habitação, mas sim com a quantidade de panos, principalmente de linho, que na casa houvesse!

As camisas mais finas, as tolhas de mesa de aparato eram de linho. As toalhas de mãos, feitas em tear ou bordadas, eram de estopa, um derivado do linho, mais grosso e menos valorizado, e as pesadas colchas de puxados, feitas em tear, podiam incorporar as duas fibras. Os lençóis eram de linho, mas também de estopa, e estes não eram muito confortáveis, embora durassem mais do que uma vida. E não podemos esquecer as toalhas de baptizado, em fino linho e requintados bordados, que mostravam a vaidade da jovem mãe e que, muitas vezes, eram usadas no baptismo de todas as crianças da casa.

A importância dos linhos era tal, que se deixavam em testamento, cruzando gerações.

A minha mãe gostava de linho e passou-me o gosto. Ainda hoje o aprecio e sou alérgica a uma fibra indiana que agora se usa muito em sua substituição. Esta pica-me, o linho acaricia e refresca. Lembro-me de um fato de linho que tive em tempos, e que arrugava facilmente, como sempre me apontava uma amiga. Ao que eu respondia: sim, arruga, mas conheces outra fibra que arrugue com tanta classe? Por isso, sempre que posso, uso linho. Mas é sobretudo na casa, na tal limpeza de que falava há pouco, que gosto de o usar e exibir.

Não sou grande cozinheira, adiante, e sou daquelas que quando tem uma festa pensa primeiro na mesa e nas flores e depois na comida. Mas, na verdade, nunca ninguém se queixou e ninguém declina os convites que faço, por isso devo cozinhar melhor do que aquilo que acho.  Contudo, gosto mesmo de uma mesa bonita, por mais simples que esta seja. E, além das minhas amadas flores,  a melhor forma de a engalanar é através dos guardanapos de linho bordado.

É claro que há vistosos guardanapos de papel colorido – mas precisamos abater a floresta para isso? É claro que há lindos guardanapos de algodão industrial. Mas têm o toque do linho?? Será que as horas de trabalho manual a desfiar o pano, a bordar, criando elaborados pontos abertos, não merecem o melhor tecido que há? Os momentos especiais à mesa não merecem um pano de eleição?  Não respondo, porque todos sabem a resposta!

Gosto, também, de colocar o pão sobre simples panos de linho, porque com esse gesto estou a unir uma fibra e um cereal tão antigos que estão para lá da memória! E, contudo, tão de agora!

E há ainda outra característica no linho que me encanta. Não é elitista! Quase sempre, uso marcadores de lugar ou individuais para a refeição, que tanto podem ser em palha, como em madeira ou algodão. Gosto especialmente destes executados em teares manuais, usando tiras de algodão excedentárias de peças com maior dimensão, porque são maleáveis, de fácil manutenção, não são dispendiosos, são bonitos e casam extremamente bem com.... um guardanapo em linho! Por isso digo que o linho não é elitista: está com todos, sem perder o encanto e a classe.  

E não me digam que as peças de linho são difíceis de engomar! Basta aplicar o ferro quente sobre o linho humedecido!

Mesmo que não se destine a uma festa, mesmo que seja só para nós, usar linho é continuar a memória, é possuir uma fibra nobre, natural, sustentável, ecológica, requintada e um luxo que todos merecemos!

RM

 

Post Scriptum: Se não acredita quando lhe digo que o linho é uma fibra de excepção, leia algumas curiosidades sobre ele, e depois fale comigo!

 

Um pouco sobre a História do Linho 

Não se sabe ao certo quando e onde pela primeira vez o Homem começou a utilizar as fibras do linho para confeccionar tecido. No entanto, no Egipto era utilizado para as roupas dos faraós e para a mumificação. No Novo Testamento, o linho é referido diversas vezes, e no território que viria a ser Portugal foram encontrados vestígios não só de tecido de linho, como também de sementes da sua planta, que datam de 2.000 e 2.500 a.C., respectivamente.
Em Portugal, as duas variedades tradicionais mais cultivadas eram o Linho Galego, que é um linho de Primavera, e o Linho Mourisco, que é um linho de Inverno. Os linhos de Primavera são semeados em Março/Abril, têm um ciclo mais curto que termina em Junho/Julho e são, geralmente, os que têm o crescimento indicado para a produção de boa fibra. Assim, o Linho Galego era conhecido por produzir uma fibra mais fina e delicada.
Por sua vez, os linhos de Inverno são semeados em Outubro/Novembro, têm um ciclo invernal que termina praticamente na mesma altura que os de Primavera, ficando por isso muito mais tempo na terra, e costumam ser as plantas mais indicadas para a produção da linhaça. Desse modo, o Mourisco, apesar de resultar numa planta mais alta, produz fibras mais rústicas que o Galego, e também mais estopa e desperdício de palha.
 
Mas o ciclo da produção do linho é complexo e longo, e as designações das suas etapas são antigas e poéticas: semear; colher e ripar, molhar, malhar e moer; espadelar, assedar, fiar, ensarilhar e dobar, e vale a pena  manter essa maravilhosa planta que nos dá um dos tecidos mais nobres e finos de sempre!
  

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