Quando era criança acompanhei durante anos a minha mãe na sua ida anual às termas, em Caldelas, bem lá no magnífico Gerês. Junto ao edifício termal havia uma pequena feira, não sei se lhe podíamos chamar feira, seria antes um grupo de bancas onde se vendiam bordados e linhos, a que se juntava uma banca que vendia caixas, brinquedos, peões, canivetes e colheres de madeira. Muitas colheres! De todos os tamanhos! As grandes estavam colocadas num cesto de vime, com os cabos dentro deste e as suas carinhas, como eu lhes chamava, a espreitar quem por elas se cruzava. E quando eu passava abanava o cesto para que elas chocassem umas contra as outras, enquanto eu ria. As pequenas estavam numa cesta, também de vime, mas plana, e o seu diminuto tamanho agradava-me sobremaneira. Logo que passávamos em frente delas, antecipando o que faria, a minha mãe agarrava-me o braço, impedindo-me de meter a mão na cesta e mexer nas colheres. Era assim todos os dias. Na minha imaginação de criança as colheres pequeninas eram para as cozinhas de “faz de conta”, mesmo sabendo que tinham outra finalidade, e todos os anos eu rumava a casa com colherzinhas de madeira, cuja colecção crescia ao ritmo do problema de estômago da minha mãe.
Continuo a ter colheres de madeira na minha cozinha e sempre que vou a uma feira, no Norte de Portugal, compro colheres de madeira, brancas como as nuvens em dia de sol, fortes como um pinheiro, hirtas como uma viga de ferro, simples como as coisas boas e versáteis como só elas. Tenho colheres de madeira para misturar a massa dos bolos, colheres de madeira para o refogado, colheres de madeira para o puré, tenho até uma colher de madeira queimada que teimo em não deitar fora porque me recorda que a perfeição exige prática, paciência e atenção...
Entretanto, descobri as colheres de madeiras de árvores frutíferas, mais elaboradas, mais delicadas e únicas, onde se vê e se sente a mão do artista que a talhou, onde o veio da madeira sobressai e a sua cor de pele queimada pelo sol faz lembrar dias de Verão, comida leve, água gelada, vinho fresco e olhos semicerrados a espreitar o sol a brilhar até para lá do horizonte. E tenho muitas dessas colheres morenas também: para mexer a sangria, para agitar a limonada, para servir a salada, para “pescar” azeitonas, todas de contornos e tonalidades tão bonitas e distintas que as tornam perfeitas para levar à mesa. E também para olhar para elas e imaginar tantas e deliciosas iguarias que as suas formas caprichosas, as suas cores quentes e a sua superfície macia poderão tocar e envolver.
Intemporais, práticas e versáteis! Gosto das minhas colheres brancas e trigueiras, simples e coquetes que, juntas, na minha cozinha, com as cabecinhas de fora de um jarro de barro, provocam os talheres de metal e, sem pudor, lhe dizem: é de nós que ela gosta!
RM
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