Porque os dias mais frios de Novembro já pedem uma chávena extra de chá…

Porque os dias mais frios de Novembro já pedem uma chávena extra de chá…

Há algum tempo fui a um maravilhoso workshop sobre o chá, que abrangia aspectos teóricos e práticos, desde as características botânicas, o cultivo e processamento, as propriedades e benefícios, os métodos de preparação até aos usos tradicionais e à história social do chá.

Devo dizer que esqueci quase tudo (ups!) e que, mesmo apesar do curso, o meu conhecimento não me permite identificar se o chá que me servem é da China, da Formosa, da Índia, do Ceilão, do Japão ou dos Açores, mas o meu gosto por esta bebida milenar saiu reforçado e o chá acompanha a minha vida!

Bebo muito pouca água e o médico sugeriu-me que bebesse chá, mas não consigo beber chá esquecido numa garrafa ou numa caneca, aos golos empurrando-o pela garganta como se de remédio se tratasse - ainda que a história desta bebida estivesse inicialmente conotada com propriedades “mágicas” e de cariz medicinal.

Nunca me consegui habituar ao chá com leite dos ingleses, que muitos amigos meus adoram, mas gosto de acreditar que foi D. Catarina de Bragança quem introduziu o chá em Inglaterra. Assim como gosto de pensar que a palavra chá em português não seja outra coisa que o chaay em hindu, e aparentada com chá em mandarim e cantonês, aproximando-nos sobremaneira desses povos cultivadores de chá.

E acho graça às expressões portuguesas com a palavra chá. Quando repreendidos apanhamos um chá, podemos fazer um baile desde o fim da tarde até alta noite e chamamos-lhe chá dançante. Por vezes, servimos um chá de parreira a quem apenas quer esconder um copo de vinho e, por vezes, dos mal educados dizemos que não tomaram chá em criança. Eu tomei. Literalmente.

Na casa da minha mãe havia um serviço de chá de cor verde cujas chávenas tinham asas diferentes do usual, pois não tinham orifício e, portanto, seria impossível passar o dedo indicador pelo meio da asa. Creio que eram chávenas de “aprendizes”, pois para beber chá deve-se agarrar a asa com o polegar e o indicador, mas nunca passar este pelo orifício da asa! Depois de ultrapassar o “serviço verde” já podíamos beber chá nas lindas chávenas às flores quando, nas tardes de domingo, em casa dos meus pais sobre a mesa havia bolo, torradas, manteiga, compota e mel. E dois bules de fumegante chá, cujo aroma pairava sobre as conversas cruzadas e nos envolvia num abraço fraterno.

Hoje, muitas vezes, principalmente em dias frios, bebo chá, sozinha, em chávenas sem pires, em canecas, em chávenas de barro preto, em louça branca. Bebo chá na cozinha, no escritório, na sala, na cama.

Por vezes, sirvo chá a amigos e à família nas chávenas de que mais gosto e nestas incluo as de barro preto, porque juntam duas tradições díspares, porque gosto da cor, porque foram uma prenda de alguém de quem gosto muito.  Noutras chávenas, acompanho o chá de sempre com outros bolos, outras torradas, outras compotas e outro mel. Mas o chá e a sua hora continuam a ser uma pausa no dia, um motivo para a conversa, a envolver um ritual e um regresso a horas felizes!

RM   

 

                  

 

Post Scriptum: se chegaram até aqui e se tiverem tempo e vontade, seguem algumas informações sobre o percurso da história do chá no Ocidente.

 

Um pouco sobre a História do Chá

Embora sem data precisa sobre o seu consumo e cultivo, aponta-se a China como a primeira nação a consumir a planta do chá. A História confunde-se com a lenda, no que respeita à origem do chá, muitas vezes referindo e enfatizando as suas propriedades quase “mágicas” e de carácter medicinal, desenvolvendo-se o seu consumo enquanto bebida refrescante apreciada por imperadores e elite social já em finais do século VI na China. Na Europa, devido ao seu elevado preço até à década de 1660, o chá sempre foi considerado uma bebida rara e medicinal. E foi assim que entrou nos hábitos europeus, como medicamento quase milagroso e de poder curativo. A transição no seu consumo seria gradual e tímida e, no século XVIII, a par desse consumo medicinal, o chá começou a ser observado como bebida exótica, do mesmo modo que o café e o chocolate, numa época particularmente de descoberta por parte dos Europeus, ávidos pelas novidades trazidas do Oriente, sobretudo da China.
  
Portugal terá sido um dos primeiros países da Europa a entrar em contacto com o chá, em meados do século XVI, sendo, possivelmente, o responsável pela introdução desta bebida no Ocidente. Apesar de se estimar que a importação de chá para Lisboa tenha ocorrido por volta do ano de 1580, em pequenas quantidades, a documentação comprova que o primeiro carregamento comercial de chá para a Europa se deve aos Holandeses que, após 1610 começaram a importar a bebida para o continente europeu. A bebida não terá surtido interesse imediato, e assim terá permanecido, de certo modo ignorado, por mais algumas décadas, mantendo o seu estatuto de bebida rara e medicinal. Gradualmente, adquiriu o estatuto de bebida exótica, devido ao preço elevado, e, por isso, se tornou procurada essencialmente pelas classes mais altas da sociedade europeia, incluindo as famílias reais, que funcionavam como pólo introdutor e disseminador de novas modas. Jamais se poderia antecipar o importante papel que o chá viria a desempenhar no domínio social na centúria seguinte.
  
A partir de 1652, devido à sua natureza social, o café motivou a abertura de inúmeras lojas especializadas em toda a Europa, à excepção de Portugal onde o seu consumo se manteve restrito aos grupos sociais privilegiados. Em 1676, por exemplo, eram já perto de 3000 coffeehouses, só em Inglaterra, a maioria servindo, além do café, também chocolate e, claro, chá. Fenómeno em crescimento e largamente divulgadas ao longo do século XVIII, as novas bebidas de exóticas proveniências conduziram indubitavelmente à produção e inovação no repertório de inúmeras cafeteiras, bules e acessórios ligados ao consumo destas bebidas que passou a ser alargado ao público feminino. Circunstância a que não terá sido alheia a influência da rainha inglesa, D. Catarina de Bragança, cuja inspiração se disseminou às senhoras da classe alta da sociedade que transmitiram uma aura de requinte ao consumo das bebidas exóticas, espírito esse ausente nas coffeehouses existentes, mesmo aquelas que possibilitavam o seu acesso a mulheres,
ainda que em salas separadas de homens.
  
Sendo que o uso do chá enquanto bebida adoptada pelas classes mais elevadas da sociedade remonta à primeira metade do século XVII, em Inglaterra, possivelmente devido a este facto os bules surgiram inicialmente nesse país e na Holanda, cuja história se inscreve na Companhia das Índias Holandesa, chegando mais tardiamente a França. Plenamente absorvido pela sociedade aristocrática e do gosto particular da rainha D. Catarina de Bragança, mulher de Carlos II de Inglaterra, o chá tornava-se, ainda em meados do século XVII, dispendioso para grande parte da população. Como consequência e reflexo deste custo, os primeiros bules, no caso concreto inglês, onde o chá inicialmente se implantou, caracterizavam-se pelas suas reduzidas dimensões. Estes exemplares ter-se-ão baseado nas formas derivadas de jarros de vinho e água quente importados em porcelana da China, dado os chineses fazerem o chá diretamente nas taças e não em bules. O modelo destes bules era oval e a sua estrutura não terá alterado significativamente nos últimos 300 anos, apesar de alterações de estética ao nível da forma, do tamanho e das cores.
  
Ainda que os primeiros exemplares tenham sido influenciados pela decoração e materiais adoptados nos moldes chineses, a Europa evoluiu para modelos mais próximos da versão que hoje reconhecemos. Actualmente, o bule é uma peça central dos serviços de chá, e a sua importância revela-se essencial nos momentos de serena degustação. Da porcelana branca, ao barro colorido e ao monocromático e lustroso barro preto, assim são os bules!
  
                     

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