Vimeiro, salgueiro, sinceiro ou, simplesmente, vime!

Vimeiro, salgueiro, sinceiro ou, simplesmente, vime!

Na casa onde cresci haviam vários apetrechos executados em vime, a que nós chamávamos verga. Quando tive a minha própria casa, foi mais do que natural rodear-me de peças semelhantes e, noto agora, que o cesto da roupa suja, mas também o tabuleiro de colocar a roupa passada a ferro são de vime. Deste material é, também, o caixote de lixo do meu escritório. Aí, são de vime dois tabuleiros: um com coisas “a fazer”, e que se vão aglomerando sem que nada aconteça; outro com “assuntos já tratados” e que eu, preguiçosa, teimo em não arquivar. De vime são dois cestos, que coloco debaixo da mesa de café da sala, onde guardo revistas de flores que não consigo deitar fora, que devorei, mas às quais quase nunca volto... basta-me saber que estão ali, creio eu. E de vime escurecido é uma base de plantas comprida e linda, pela qual me apaixonei numa tarde que não era de compras, que trouxe para casa escondida, com muito trabalho, e que encho de orquídeas brancas, que tanto amo!

Na cozinha, é de vime um cesto comprido onde guardo os alhos, tão velho que já nem me recordo a sua origem, mas que cumpre eficazmente a sua função e que, coitado, junto com os alhos secos guarda a chave da porta que dá para o jardim, só porque fica perto dela e eu precisava de um lugar onde sempre a colocar! Também nesse material é um cesto ao qual, recentemente, incumbi a função de guardar os plásticos e os pequenos cartões antes de os colocar nos respectivos caixotes do lixo. Sim, porque eu separo o lixo, como todos devemos fazer. De vime é um cesto que me ofereceram e que gosto de encher com limões e suas folhas, para sentir o seu cheiro e perfumar a cozinha. E de vime são os vários tabuleiros guardados num armário à espera de ir à mesa com pão, com bolos, com o bule do chá (este tem o fundo em madeira), com os frutos secos e outras demais gulodices! E, se quisesse procurar em armários perdidos da memória, de vime seriam várias cestas e cestinhas que fizeram a delícia da minha infância!

Os dias passam e os meus vimes, como eu, tingem-se de outras cores. Ficam mais dourados, com as colorações do tempo a aquecerem-lhes a dura pele impregnada de histórias, que se pudessem falar, com certeza contariam! E ao olhar para os meus vimes, velhos e novos, numa paleta cromática, recordo-me que a sua utilização é relatada desde a Antiguidade; a Bíblia faz-lhe referência quando descreve que Moisés foi resgatado das águas do Nilo dentro duma cesta de vime e, em Portugal, o trabalho de cestaria neste material está presente desde a época castreja! E, por vezes, quando pego num dos meus cestos de vime (chamo cestos a todos eles!) compreendo que este material permite inúmeras realizações, é bonito, leve, flexível e, ao mesmo tempo, muito resistente. E, percebo, também, que é uma matéria-prima ecológica, que se revela uma excelente alternativa aos materiais sintéticos e ao plástico, tanto em peças utilitárias como decorativas. Além disso, sendo biodegradável, torna-se extremamente atractivo em termos de sustentabilidade. Depois de todas estas considerações dou comigo a pensar que o meu vime, quase tão antigo como o mundo, é, afinal, pleno de modernidade!

Tanta história, tanta vida nos meus vimes, que tantas transformações sofreram até chegar a minha casa! Se quiserem saber algumas dessas voltas, basta ler até ao fim!

RM


                      

 

Um pouco sobre...

Vime, vimeiro, salgueiro, chorão, sinceiro e salso são os nomes do Salix, da família das Salicaceae, e que constitui um género com perto de 400 espécies distribuídas em climas temperados e frios, onde cresce em solos húmidos, e é utilizada na produção de cestaria e mobiliário, entre outras aplicações.

Depois de apanhado é descascado, selecionado por medidas e colocado a secar. De seguida, as canas passam por um processo de tratamento, durante o qual são fervidas para lhes conferir elasticidade, o que permite serem trabalhadas sem se partirem. É também este processo que lhes confere uma cor acastanhada, em vez do branco de origem. Na cestaria podem utilizar-se três variedades de coloração de vime: o castanho-escuro, o castanho-claro e o branco. O primeiro, é seco e guardado com casca no armazém até à altura de ser usado dessa forma. O vime castanho-claro passa por um processo diferente e mais complexo, exigindo uma fase de cozedura de seis a sete horas, dentro de uma caldeira com água a ferver. Depois de retirada a pele, o vime assume essa tonalidade porque a tinta que estava na casca/pele tinge as próprias canas. Por usa vez, o vime branco tem de ser descascado, processo feito entre Março e Abril, e é utilizado sem ser cozido.

Quanto à espessura, o vime pode apresentar-se inteiro ou rachado. Dependendo da aplicação, escolhem-se os caules mais finos e homogéneos para utilização integral (um-a-um ou dois-a-dois, se demasiado finos) ou caules mais grossos que são abertos longitudinalmente com o auxílio de uma arcaica ferramenta chamada rachador, de cujo golpe resultam 3 ou 4 varas. Os artigos de vime inteiro revelam-se mais dispendiosos, mas é comum a utilização de uma e outra variante na mesma peça. Por exemplo, as cestas de vime rachado empregam nas asas caules de vime inteiriço, porque é das asas que se espera maior resistência.

Depois das peças confecionadas, devem ser utilizadas regularmente, pois, como qualquer material natural, o uso prolonga a sua durabilidade!

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